quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Alegoria da Caverna - livro VII de A República, Platão - Adaptação

 O texto é uma adaptação do “Mito da caverna” do livro VII de A República, escrito por Platão

 

Imagine uma caverna habitada por seres humanos que dela nunca saíram e na qual apenas uma fração da luz do dia entre. Amarrados uns aos outros, enxergam apenas uma parede ao fundo da caverna.

Em frente à luz outros homens se movem carregando objetos representando diversos tipos de coisas. O
s habitantes da caverna nada poderiam ver além das sombras dos objetos projetadas no fundo da caverna, nada podem escutar se não os ecos das vozes dos homens que carregam os artefatos.

Por nunca terem visto outra coisa, os habitantes da caverna acreditam que as sombras projetadas na caverna são a única verdade, a própria realidade. Confundem o eco das vozes escutadas, pensando serem emitidas pelas próprias sombras. 

Porém um dos habitantes da caverna consegue se soltar das correntes, se volta para a luz e começa a subir em direção à entrada da caverna. Com sua visão ainda ofuscada pela luz começa a se habituar às novas imagens com que se depara. Aos poucos passa a ver as estatuetas se movendo e gerando as sombras.

Percebe nas estatuetas mais detalhes e mais beleza que as sombras que antes via projetadas na caverna. As sombras agora lhe parecem algo irreal, limitado, apenas uma representação pobre dos objetos.

Segue para a extremidade da caverna e enxerga várias coisas em si mesmas, objetos dos quais apenas percebia sombras. Vê a luz do sol e seu reflexo em todas as coisas. 

O habitante percebe agora que estas coisas são a realidade. Triste por seus companheiros da caverna, reféns de sua ignorância sobre as causas últimas das coisas, decide retornar a fim de libertar seus irmãos das correntes que os prendem à escravidão da ignorância.

Quando retorna à caverna a fim de "abrir os olhos" dos demais prisioneiros, seus irmãos, ele é  rechaçado, tomado como louco e morto.


Adaptado do livro VIII - República de Platão.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Os Índios (O POLIEDRO - Murilo Mendes - 1972)


Nunca tive ocasião de ver um índio, um índio brasileiro de carne e osso. Até agora só conheci alguns índios de papel e tinta, construídos por José de Alencar, Gonçalves Dias, Mário de Andrade e outros.
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Os índios, ao que parece, nômades natos; banhistas contumazes; mulherengos; irrevogavelmente distraídos. Como todos os povos que atingiram um alto nível de civilização, eles não usavam trabalhar. Já que não lhes apetecia comprar nem vender, qualquer trabalho resultava-lhes supérfluo, e os índios desprezavam o supérfluo; ao contrário de nós próprios que fabricando diariamente milhares de objetos, acabamos por desembocar na guerra, máquina de matar homens e de incinerar objetos, estupidamente louvada, além de outros, por F. T. Marinctti, acadêmico da Itália.

Os índios não precisavam de trabalhar: colhiam sem esforço ao pé da rede o peixe e a banana, o que deu pretexto a Evandro Pequeno, homem arguto, para fundar sua célebre teoria do bananismo, única via de saída para os problemas do nosso exagitado Brasil.
Nunca aceitei a teoria da existência de índios antropófagos: eles não eram nazistas. Perdão, Montaigne.

Os índios acreditavam a prestações em Deus, formado à imagem deles próprios, como de resto, em muitos casos, o Deus dos outros. Dormiam devagarinho: extremamente curiosos, punham-se a observar o sono do próximo, operação mágica que reserva ao homem encantos especiais.
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Minha amiga Rosinha Leão costuma dizer que nós brasileiros somos índios vestidos de ingleses, ou melhor, de americanos. Eu só conheço os índios de poesia e de fotografia. Outrora fui ao cinema para documentar-me sobre eles. O diabo é que os cineastas de hoje não se ocupam mais de índios, embora agrade a muitos trabalhar com fantasmas. E, como se sabe que o número de fantasmas progride cada dia, inclusive os fantasmas de índios, acabarei voltando ao cinema para vê-los.

(Murilo Mendes - Poliedro - 1972)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Quem tem medo do lobo mau


Dúvidas sobre a história e seu estudo.
ou - Quem tem medo do lobo mau
Em algum momento do curso de história é bem comum e mais que isso, importante, que o futuro profissional em história questione-se e reflita sobre o labor que implica sua graduação. Por profissional de história compreenda-se tanto o pesquisador, historiador, quanto o docente do conteúdo de história dos colégios. Equiparados em importância na função de fomentar e propiciar a reflexão é fundamental ao bom profissional conhecer, ou ao menos questionar as minúcias e peculiaridades da área das ciências sociais que se distingue por HISTÓRIA.
Não se trata aqui de exigir um aprofundamento demais teórico sobre a formação das ciências sociais ou história do pensamento, ao que questionamentos que inicialmente podem parecer bastante corriqueiros ou pouco requintados filosoficamente revelam em seu detalhe profundidade abismal. Perguntas inicialmente simples do tipo, Que é história? Para que serve a história? ou Como se escreve a história? Revelaram uma reflexão tão plural quanto o numero de questões. Haja vista que tais questionamentos acima citados serviram como títulos das obras de importantes historiadores sobre este tipo de reflexão, dos quais na mesma ordem: Edward Ale Caber, Marca Bloch (cuja obra pode ser também encontrada sobre o título Introdução à história) e Paul Verne. (Confira bibliográfica no final do artigo)
Poder-se ia começar este exercício crítico questionando: O que faz o estudioso de história? Sendo comum para este reputas como: o historiador estuda o passado ou que estuda os homens e o tempo. Esta Segunda resposta apesar de mais acurada não esconde o desaviso e a superficialidade que pode ocorrer nos leigos à área, mas cresse inaceitável ao profissional que almeja conhecer bem seu labor. Logicamente não se tratam aqui de respostas gerais, aquelas que abrangem tudo e nada explicam, mas sim, pergunta simples e resposta objetiva. Esta resposta perde-se na proposição mais filosófica do saber historiográfico. De fato estuda-se o homem e o tempo na história, mas objetivamente no dia a dia do historiador seu trabalho é geralmente debruçar-se sobre um conjunto documental para dele refletir sobre a sociedade de determinada época. Assim tem-se uma resposta parcial: O estudioso de história estuda documentos históricos e historiográficos.
Sobre esses tais documentos, duas proposições que podem parecer demais óbvias podem ajudar a discutir a primeira resposta, a de que o historiador estuda o passado. Uma delas diz respeito ao que se compreende por documento histórico. Pensando-se materialmente o que se denomina “documentos” são objetos que não existem ou foram criados inicialmente para este fim, esta denominação é uma apropriação e incorporação de um novo sentido atribuído pelo pesquisador, que junto à sua metodologia de análise torna tais objetos mediáveis à pesquisa. Guy Bourdé em Escolas Históricas (1983) discutir as escolas historiográficas aponta em cada uma delas as diferentes compreensões do que seria o documento histórico. A síntese a seguir é pretende somente ilustrar os contrastes como exemplo, não se concentra em questões mais específicas ou ideológicas sobre as correntes historiográficas citadas: Para a chamada escola metódica ou positivista, meados do século XIX, é documentação competente toda documentação oficial (atas, cartas, documentos de cartórios e de governantes) e arqueológica (monumentos, relíquias). Com o materialismo histórico dialético, ortodoxo, voltado a observar o desnível entre as relações de produção, capitalista e operariado, são documentos as estatísticas sociais e econômicas, regras de marcado, balanças comerciais. Com a historiografia francesa de meados do século XX, representada nos annales, posteriormente na nova história e suas partes, o conceito de documento se amplia assim como o de objeto, incluindo a pluralidade de interesses que a história pudesse suscitar, estuda-se assim a psique, as lendas, as vestimentas, a cultura.
A outra proposição deriva-se desta, posto que tais objetos reinterpretados em fontes, encontra-se numa dimensão da vida do homem denominada “presente”. Desta feita o historiador é aquele profissional que estuda no presente, objetos do presente. Questionar-se-ia então qual é a relação do historiador com o passado. Para a tristeza dos românticos viajantes do tempo fica difícil conceber que o historiador vá buscar o passado, é sim plausível pensar na preterização semântica do presente voltada à construção de um discurso simulado de presentificação do passado.

Desenvolvendo-se um pouco mais a reflexão retornar-se-á questão inicial, não no sentido anteriormente tomado referente à ação do historiador, mas agora sobre o produto desta ação, expresso no seguinte enunciado: O que o historiador faz?
Para tal pergunta é comum ouvir, e talvez o leitor esteja pensando, coisas como: a história, o retrato do passado, ou que o historiador é aquele que conta como foi o passado. Concordando com Certeau (Escritas da história –1989) o historiador produz um discurso, um texto historiográfico e logo que situado num contexto este é por sua vez histórico. Assim sendo não retrata o passado, mas uma compreensão possível no presente para corresponder às demandas e possibilidades de conhecimento da sociedade do presente. Observar que a historiografia não retrata o passado, considerar as subjetividades, ou melhor, a pluralidade de entendimentos possíveis no presente é tombar silenciosamente o paradigma da história verdade. Neste aspecto, o poeta Afonso Romano de Santa`anna em seu poema Posteridade é bastante eloquente na projeção de como os estudiosos das futuras gerações compreenderão esta. Trecho a seguir:
Assim entraremos para história deles
Como outros para a nossa entraram:
Não como o que somos
Mas como reflexão de uma reflexão.
(SANTA`ANNA –1997, p.68).
Não se conhece o nosso labor sem por-se em xeque posicionamentos e a própria situação de história em quanto ciência. O que concerne aqui é ariscar responder um pouco das questões suscitadas, e o que é pior, se comprometer com as muito poucas certezas. Quanto a isso cabem do ainda dois destaques. O primeiro aos futuros professores, o de que não é necessário despejar toda a disconstrução da história nos alunos de colégio. Esta reflexão tem por objetivo auxiliar a inclusão e consideração das diversidades na escolha e preparo do conteúdo de aula. O segundo aos o futuros pesquisadores, que podem ter a impressão de que o chão foge aos pés quando o labor historiográfico não se liga mais a nobres paradigmas de civilização, ou conscientização das massas proletariado para um determinado “verdadeiro” papel na transformação da sociedade humana. O fato é que o que se vislumbra é pluralidade, que ao invés de diluir as possibilidades de entendimento, as retira de patamares intangíveis quase etéreos das verdades, do domínio das verdades e de simulacros de neutralidade e os lança a mão do homem. O historiador está sempre comprometido com seu tempo e discurso. E durma-se com todo este barulho.

BOURDÉ, Guy. MARTIM, Hervé. As Escolas Históricas. Portugal: Euro Americana, 1983.

BLOCH, Marc. Introdução a la História. México: Fondo de Cultura Económica, 1987. (Breviarios n.º64.)

CARR, E.H. Que é História?. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1982.

CERTEAU, Michel de Escritas da História. Rio de janeiro: Forense Universitária, 1982.

SANT`ANNA, A. R. Epitáfio para o Século X, e outros poemas. Rio de janeiro: Ediouro, 1997.

VEYNE, Paul. Como se Escribe la História; ensayo de epistemologia. Espanha: Fragua, 1971. 
 
* Mestre em História Cultural pela UNESP- Campus de Franca- SP.  Professor de História da Rede Municipal de Taubaté e Professor de Educação Ambiental História e Geografia da ESC/Esefic - Cruzeiro